terça-feira, 22 de novembro de 2011

Jornalistas mais que completos


Muitas pessoas querem discutir o status da atividade de assessoria de imprensa, separando-a da atividade jornalística propriamente dita, que vem à mente quando se ouve a palavra “jornalista”: de um pessoa livre para escrever sobre o que e sobre quem quiser. Tamanha discussão poderia ser evitada se a memória de um jornalista se estendesse além da vida útil de um jornal diário, se eles lembrassem que muitas das grandes matérias jornalísticas muito provavelmente tiveram início em um release de um assessor de comunicação.

Apesar da separação, assessoria de comunicação e produção de notícias são, de fato, atividades complementares. São duas pessoas realizando duas etapas distintas de um processo que culmina em um mesmo produto final. Um sugere, o outro desenvolve; um facilita a produção, o outro só produz algo com credibilidade graças ao outro.

Assessores de imprensa podem até não escrever livremente, e defender os interesses das pessoas ou grupos para os quais trabalham. Mas para realizar esse trabalho, a verdade é que eles, muitas vezes, e pelo menos os que são bons no que fazem, têm – porque precisam ter – conhecimentos jornalísticos muito mais amplos do que um repórter. Seus conhecimentos, justamente pela necessidade da profissão, se estendem muito além da habilidade textual e da capacidade de propor boas pautas e investigá-las.

O assessor precisa saber mais, precisa saber como funciona o mundo da produção de notícias, os veículos adequados para cada situação, a audiência que se pretende atingir. É um escrever pensado, orientado, livre dentro de (apenas) uma grande limitação. Um repórter depende de permissão, aprovação, edição, revisão, sorte, ocasião e boa vontade de terceiros, dentre os quais um assessor de imprensa. Seu escrever é livre, mas restrito e limitado por uma série de barreiras e obstáculos. Diferente da atividade de um assessor, o escrever de um repórter é improvável – e talvez por isso ele seja tão valorizado quando é publicado.

Além disso, um repórter de um jornal impresso sabe muito bem como funciona uma redação – talvez, só saiba como funciona a sua redação específica –, mas possivelmente não tem a menor idéia de qual é a rotina de uma emissora de TV, e do processo de produção de um veiculo audiovisual de notícias. Um assessor precisa saber horas de fechamento de pauta, veículos para cada tipo de notícia, cultivar contatos, se posicionar em público: ele dá sua cara a tapa, em nome de alguém ou de uma empresa.

Quanto à liberdade, nenhum repórter é 100% livre para escrever o que quer. Todos tem que se adequar à visão de mundo dos jornais para que trabalham e fazer o que são mandados frequentemente. Portanto, dizer que ser jornalista é melhor do que ser assessor, em função de ser livre para escrever é querer se enganar, acreditando no mito de uma liberdade integral e incondicionada, que nunca existiu e nunca existirá enquanto os veículos de comunicação forem dominados por grupos fechados e com interesses próprios. E enquanto o jornalista for um ser humano como outro qualquer, que não pode se dar ao luxo de não pagar suas contas...

A grande questão por trás dessa discussão é, na verdade, algo que não se limita à dicotomia assessor de imprensa e jornalista. A pergunta que todos devem fazer diz respeito ao que define uma pessoa profissionalmente. Seria o exercício da atividade propriamente dita ou a faculdade que cursou e o diploma que obteve após anos de estudo? Um advogado que nunca exerceu a profissão é deixa de ser um advogado, mesmo com um diploma?

Se você é dos que acham que sim, que ele não pode ser chamado advogado, então os assessores de imprensa devem ter um curso especifico para a profissão, e não um compartilhado com os jornalistas que trabalham em veículos de comunicação. Se você acha que não, que independente de não exercer a profissão, a pessoa continua sendo advogado, então o assessor deve ser visto como um jornalista, ainda que nunca tenha trabalhado em uma empresa de notícias.

A minha opinião – e que é, simplesmente a opinião de um aluno de comunicação que já teve oportunidade de estagiar com duas assessoras de imprensa fantásticas (pessoal e profissionalmente) e que, diferente da maioria da classe jornalística, ainda acredita na existência de zonas cinzentas e não excludentes de branco/preto: tirar o crédito da atividade de assessoria de comunicação é uma visão extremamente simplista, segregadora e de querer se valorizar diminuindo um outro grupo de profissionais, típica de uma categoria que é, essencialmente, competitiva, arrogante e vaidosa. E que desde a queda da obrigatoriedade do diploma de jornalismo, se sente cada vez mais ameaçada...

Até porque o jornalista (propriamente dito) nada mais é do que alguém que passou a vida inteira tentando estabelecer sua credibilidade para ser ouvido e ter sua opinião respeitada – exatamente a mesma coisa que um assessor de imprensa faz com sua empresa. Ou seja: o jornalista é um assessor de si mesmo...

autoria de João Pedro Alves - Assessoria de Imprensa (ECO/UFRJ).

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Promoção da Pepsi faz festa da rival Coca-Cola

A promoção "Pepsi em Dobro" foi um verdadeiro fiasco. Milhares de consumidores foram aos postos de venda e não encontraram os produtos nas prateleiras. Há relato de supermercados que chegaram a distribuir refrigerantes da rival, Coca-Cola, para acalmar clientes que ameaçavam iniciar um quebra-quebra.

Para quem não acompanhou, segue a suíte - A Pepsi divulgou durante esta semana uma campanha com as gêmeas do nado sincronizado e o apresentador Rodrigo Faro para convidar os clientes a experimentar a marca e levar uma unidade extra a cada produto comprado. A promoção tinha validade apenas neste fim de semana (10 e 11 de setembro) e um limite de 24 unidades por CPF. A promoção lotou os supermercados credenciados e promoveu uma verdadeira corrida pelo produto.

Um dos argumentos que a rede poderia ter utilizado, nos dias que sucederam a crise, seria a de que a distribuidora, Ambev, teve problemas na logística. Mas a verdade é que a própria Pepsi não dimensionou o sucesso da promoção e não providenciou estoque para as lojas. Assim, "Pepsi em Dobro", ao invés de alavancar a imagem da empresa, desgastou a marca no mercado brasileiro. Mas o pior ainda estava por vir.


Qualquer manual mixuruca de gerenciamento de crise nos ensina que, ao ser notado o erro, é fundamental que a empresa reconheça e tome providências para sanar os danos e evitar a recorrência. Contudo, ainda que as mídias sociais detonassem a marca, a gigante do setor de bebidas simplesmente publica em jornais de grande circulação que a promoção foi um ... sucesso! E o anúncio foi veiculado com direito a letras garrafais, cores em profusão e, de novo, denota profundo desrespeito com o consumidor.

Um dia depois da publicação e somente após a manifestação do Procon, a Pepsi resolve se mexer (antes tarde do que nunca...). Embora não recupere o desgaste na imagem, vai distribuir latinhas de graça para quem reclamou, formalmente, nos postos de venda, no site da empresa ou no SAC. Mas será que isso será o bastante... Alguns posts, nas redes sociais, alertam para o risco de o consumidor receber produtos com a data de validade por expirar. Fato ou boato, até mesmo a qualidade das bebidas começa a ser questionada bem como a ética da empresa.

A imperícia impressiona, a começar pela escolha das mídias tradicionais para a propaganda e, posteriormente, para fazer o mea-culpa. Que tal elencar alguns equívocos da Pepsi: "Não estar atenta, ou melhor, não acompanhar as redes sociais"; "não dimensionar o poder de compra do consumidor"; "não cuidar da logística de distribuição"; "não agir correta e prontamente na instalação da crise"; enfim, desmerecer o consumidor.

Só nos resta sugerir a criação de um prêmio especial, tal qual o "Framboesa", para o pior planejamento de campanha do ano. E também para o pior gerenciamento de crise...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Publicidade em capa de jornal

Uma das páginas mais importantes de qualquer jornal impresso é a primeira. Aliás, há editor de primeira página bem como diagramadores exclusivos para ela. É sabido que, pela sua relevância, é também a última a fechar... 
Tal qual as páginas opinativas, onde estão os artigos e editorial, não leva publicidade alguma - salvo institucional. São as chamadas "páginas brancas". O Globo e outros jornalões tem rompido com esta tradição jornalística. Na edição de 20/07/11, por exemplo, há anúncio de duas colunas da montadora Hyundai. 
Desta forma, sempre salutar (re)discutir limites entre jornalismo e publicidade. Sem maniqueísmos. O que dizer das sobrecapas que por vezes envolvem todo o jornal, com anúncios os mais diversos? O que dizer também das promoções de selinhos que dão jogo de panelas ao leitor que, fielmente, comprar 30 e tantas edições.... Como empresas jornalísticas prescidem da valorização da própria marca para serem vistas como prestadoras de serviço, com credibilidade e indutoras do senso crítico (pelo menos, em tese essas são algumas das prerrogativas do Papel do Jornal), explicitar a relação umbilical com o mercado é um tanto quanto complicado. Mas essencial. Todos sabemos que a publicidade banca, em grande proporção, as empresas jornalísticas. Também não é segredo que o gate-keeping e a auto-censura dificultam a publicação de fatos desabonadores aos patrocinadores. 
Agora, existem espaços pre-determinados para os anúncios. O que a Revista Caras faz, por exemplo, já há algum tempo, induz e confunde o leitor e explicita uma posição de subserviência. Nas edições, as matérias emolduram os anúncios. E o pior é que eles não trazem qualquer relação na narrativa com o que é veiculado... Cabe perguntar:  "vendem-se" notícias ou publicidade? A ênfase, então, recai sobre os produtos, agora travestidos de notícias. Ah, mas notícia também é um produto, dirão alguns... "Tudo bem" que os jornais "gratuitos", como Metro, estão aí para comprovar isso. Mas essa é uma outra história. 
Sobre  a mercantilização da notícia, Cremilda Medina tem um livro ótimo, intitulado "Notícia, um produto à venda". Há, portanto, limites à publicidade em espaço redacional? Presenciamos uma inversão do que deveria ser a "lanterna de Diógenes" da mídia: prioridade ao interesse público e informação ao cidadão. O mais intrigante é que a essa inversão corresponde um acirramento da disputa "ideológica" sobre os papéis da mídia e da publicidade na democracia. Os principais atores e interesses envolvidos, sobretudo empresários de mídia e agências de publicidade, reafirmam seu discurso e, como sempre, denunciam qualquer tentativa de regular o setor.
Epígrafe deste post - Pierre Bourdieu, em "A influência do jornalismo":
"Desvelar as restrições ocultas impostas aos jornalistas e que eles impõem por sua vez sobre todos os produtores culturais não é – será preciso dizê-lo? – denunciar responsáveis, apontar culpados. É tentar oferecer a uns e outros uma possibilidade de se libertar, pela tomada de consciência, da influência desses mecanismos e propor, talvez, o programa de uma ação combinada entre os artistas, os escritores, os cientistas e os jornalistas, detentores do (quase) monopólio dos instrumentos de difusão. Somente tal colaboração permitiria trabalhar eficazmente na divulgação das contribuições mais universais da pesquisa e também, em parte, na universalização prática das condições de acesso ao universal."

sexta-feira, 4 de março de 2011

Carnaval politicamente correto

Como seu próprio nome antecipava, o bloco carnavalesco "Que merda é essa?", usando camisetas com Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, enfrentou protestos irados de militantes que denunciaram o escritor por racismo contra Tia Nastácia e recomendaram ao Ministério da Educação o seu banimento das escolas públicas.
Com o avanço do politicamente correto, "Índio quer apito" será um dos próximos alvos, pela forma pejorativa de se referir aos nossos silvícolas, os verdadeiros donos da terra brasileira, enganados e explorados pelos brancos.
Por seu desrespeito à diversidade sexual e sua homofobia latente, Cabeleira do Zezé não deverá mais ser cantada nas ruas e em bailes, por estimular preconceitos contra homossexuais. Nem Maria Sapatão, a correspondente feminina da violência homofóbica contra o Zezé ("Corta o cabelo dele!" ). Além da ofensa ao profeta Maomé, ao compará-lo a um gay cabeludo. Por muito menos Salman Rushdie teve de passar anos escondido da fúria islâmica.
Precursor do politicamente correto, o fundamentalismo islâmico exigirá a proibição de Alá-Lá-Ô por usar com desrespeito o Nome Supremo em festas devassas e ofender o Islã. Um aiatolá dos Emirados Sáderes pode até emitir uma fatwa condenando os autores da blasfêmia à morte.
Pelo uso do termo pejorativo e racista "crioulo" não escaparão da condenação nem os ilustres afro-brasileiros Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nelson Sargento, Anescarzinho e Jair do Cavaquinho, criadores do clássico Quatro Crioulos, em 1965. Além da palavra maldita, a música diz que eles ocupam boquinhas públicas, em plena ditadura:
"São quatro crioulos inteligentes / rapazes muito decentes / fazendo inveja a muita gente / muito bem empregados numa secretaria ?"
O Samba do Crioulo Doido, de Sérgio Porto, é pior: por sugerir que a burrice e a ignorância seriam exclusivas dos negros e associá-las ao mundo do samba. Puro preconceito: a estupidez não escolhe cor e também abunda no rock, na política e no esporte. E cada vez mais nos meios acadêmicos racialistas e politicamente corretos.
Bom carnaval multicultural!

Publicado em O Globo, 04/03/2011. Autoria de Nelson Motta.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A arte de seduzir

Toda ditadura é megalômana. E a que governou o Brasil sob botas e fuzis, de 1964 a 1985, não foi diferente. A construção da rodovia Transamazônica simboliza a arrogância do regime militar.

Rasgou-se a selva de leste a oeste. Abriu-se a estrada em paralelo a caudalosas vias fluviais. Em vez de aprimorar o sistema de navegação pelo Rio Amazonas e seus afluentes, a ditadura preferiu obrigar a floresta a ajoelhar-se a seus pés. Possantes máquinas puseram abaixo árvores milenares encorpadas de madeiras nobres, destruíram ecossistemas preciosos, alteraram o equilíbrio ecológico da região.

Tudo em nome de uma palavra tão propalada e, no entanto, vazia de significado: desenvolvimento. Leia-se: exploração predatória da maior floresta tropical do mundo, aberta à voracidade de mineradoras, madeireiras e, sobretudo, do latifúndio predador, quase sempre movido a trabalho escravo.

“No meio do caminho havia uma pedra”, repetiria Drummond. Povos indígenas. Como impedir que oferecessem resistência? Simples: através da arte de seduzir. A Funai ergueu tapini (cabanas de folhas). Dentro, utensílios de caça e cozinha, ferramentas etc. Os índios, encantados com os objetos, acolhiam gentilmente os caraspálidas. E ingenuamente eram cooptados pelas relações mercantilistas. Em troca de bugigangas perdiam saúde, terras, liberdade e vida.

Detalhe: o mato, não o gato, comeu a Transamazônica, fonte de riqueza e poder de umas tantas empreiteiras.

Hoje, os índios somos todos nós. Os tapini, os shoppings, a publicidade, as veneráveis bugigangas que nos agregam valor. O inumano imprime sentido ao humano, como faziam os deuses de ouro denunciados pelos profetas bíblicos: tinham boca, mas não falavam; olhos, mas não viam; ouvidos, mas não escutavam; pés, mas não andavam...

Estamos todos somos sob o efeito hipnótico do consumismo. Não importa se o produto é frágil ou de má qualidade. Seu design nos cativa. Sua publicidade nos faz acreditar que estamos comprando a oitava maravilha do mundo! E, ingenuamente, que se trata de um produto durável, mesmo conscientes de que o capitalismo não se importa com o direito do consumidor, e sim com a margem de lucro do produtor.

Como se livrar do labirinto consumista que, na verdade, se consuma nos consumindo? Não vejo outra porta de saída fora da espiritualidade, somada a uma nova visão do mundo. Sem espiritualidade corremos o risco — sobretudo os mais jovens — de dar importância àquilo que não tem. Imbuídos da baixa autoestima que nos incute a publicidade (“você não é ninguém porque não possui este carro, não veste esta roupa, não faz esta viagem...”), encaramos a mercadoria como algo que nos agrega valor. Não basta a camisa, a bolsa ou o tênis. Têm que ser de grife, com a etiqueta exibida do lado
de fora. Assim, todos à nossa volta haverão de reconhecer o nosso status. E quiçá invejar-nos. E aquele ser humano que, ao lado, carece de produtos refinados, é visto como não tendo nenhuma importância. Pois não se enquadra no atual princípio pós-cartesiano: “Consumo, logo existo.”

É espiritualizada toda pessoa cujo sentido de vida deita raízes em sua subjetividade e cujas opções são movidas por ideais altruístas. Ela não faz do que possui — conta bancária, títulos, casa, carro etc. — seu fator de autoestima. Sabe que tem valor em si, que não é nutrido pela posse de bens, e sim por sua capacidade de fazer o bem aos outros. Sua autoestima se funda na generosidade, solidariedade e compaixão. Ela é feliz porque sabe fazer outras pessoas felizes.

O mercado tudo oferece. Todos os seus produtos nos chegam embrulhados em papel de presente: se compramos este carro, seremos felizes; se bebemos aquela cerveja, nos sentiremos alegres; se adquirimos tal roupa, ficaremos joviais. O único bem que o mercado jamais oferta é justamente este que mais buscamos: a felicidade. No máximo, o mercado tenta nos convencer de que a felicidade é o resultado da soma de prazeres

Ora, a felicidade é um bem do espírito, jamais dos sentidos, da cobiça ou da arrogância. É feliz quem ousa destampar o próprio ego e conectar-se com o Transcendente, o próximo e a natureza. Esse irromper para fora de si mesmo tem nome: amor. E se manifesta nas dimensões pessoal, no dar de si ao outro, e social, no empenho de construir um mundo melhor.

Autoria de FREI BETTO. Publicado no jornal O Globo em 20/02/2011